Sertão Hoje

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Colunistas

Alessandro Anjos Inácio

Graduando em Letras Modernas - Português/Inglês pela UESB, Alessandro Inácio é um escritor, roteirista, diretor e poeta Ituaçuense premiado através do Edital Cultura na Palma da Mão, projeto este realizado pela SeCult. Possui apreço pela leitura, poesia, pintura e as diversas formas de expressões artísticas existentes, além de nutrir um interesse particular pelo estudo da história das grandes civilizações antigas, biografias de personalidades mundiais e as dinastias monárquicas. Se interessa também pelas artes divinatórias como a Astrologia Védica, o Tarot, o baralho cigano e a numerologia. Defende a importância de preservar a sabedoria popular ligado às antigas lendas e tradições, bem como as formas ancestrais de expressão de fé e cultura.

Infância

Ontem reassistindo O conto da Princesa Kaguya, lembrei de quando era pequeno, de como nossa casa era muito simples, feita de adobão, calhada de branco e com janelas e portas de madeira pintadas de verde-escuro, e a sua volta havia um pé de dama-da-noite que perfumava todo quintal, um pé de pinha que dava frutos deliciosos e brinquedos magníficos, já que as sementes tornavam-se bois para meu curral improvisado, havia também diversas plantas com pequenas flores em formato de trombeta em ramalhetes na cor do astro-rei , quando as flores não estavam abertas eu amava estourar essas trombetinhas na testa dos outros, era meu passatempo, além de me adentrar no mato para descobrir ninhos de galinha choca e ter a feliz surpresa de descobrir uma nova mãe cheia de filhotes.

Nossa casa também tinha uma calçada imensa de cimento, da qual eu já havia caído diversas vezes, havia dois quartos, um de visita e outro que eu e minha irmã dividíamos com os nossos pais, sendo que a única coisa que nos separava era um grande e majestoso guarda-roupa de madeira clara. Havia também um grande fogão de lenha no qual minha mãe assava pães caseiros cheios de uvas passas, bolos de todos os tipos, biscoitos de nata entre outras coisas. Lembro-me que sempre que chovia, o cheiro de terra molhada invadia meu pequeno quarto, e quando era de manhã cedo, eu sentia o aroma de café recém coado, ouvia vozes familiares de uma alegria matinal combinadas com gargalhadas, ouvia a respiração de minha irmã que dormia num sono profundo, mas sempre que virava de lado, certificava-se de estar segurando minha mão, quase como um instinto protetor, ou de segurança. Minha mãe havia nos ensinado esse doce hábito de sempre juntar nossas camas e nossas mãos para dormir, acredito que era uma forma de nos ensinar sobre união. Eu amava isso, amava seus beijos, dengos e manias, amava ficar ouvindo o som da chuva, gota por gota, a água escorrendo pelos telhados, uma sinfonia divina e úmida e um sentimento indescritível de conforto e bem estar, que me fazia adormecer. Tudo aquilo era uma grande benção para mim, e debaixo das cobertas eu me encolhia, apertava minhas mãozinhas, esfregava meus pés, e me abraçava fortemente como um colo inventado.

Lembro-me de sempre pedir a minha mãe para que ela me embrulhasse com um cobertor marrom clarinho, porque me lembrava chocolate, e que consequentemente me lembrava páscoa; ou então pedia a ela para que usasse uma coberta de estrelas, ela era azul com detalhes de corpos celestes pequenos e grandes, alguns com formatos na cor azul-céu, outras na cor azul-oceano, e eu me sentia uma constelação, mergulhado num cobertor de estrelas. São memórias que me atravessam sempre que estou mal, e de alguma forma me ajudam a querer continuar. O desejo de um lar quente, confortável, abençoado, alegre, acolhedor, é minha maior ambição de vida. Eu sinto falta de paz e leveza, sinto falta de tempos de amor, sinto falta de tempos de união, e viverei minha vida buscando por essa paz novamente.