Sertão Hoje

Sertão Hoje

Colunistas

Vitor Hugo Lima da Silva

Vitor Hugo Lima da Silva é médico, clínico geral, formado em 2001 pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente, reside em Ituaçu, onde trabalha como médico concursado no Programa Saúde da Família (PSF) e também em uma clínica particular (Fisioclem), de sua propriedade.

INTENÇÕES REVOGADAS - AO MEU PAI QUE PARTIU

Neste momento eu queria acreditar; acreditar num coordenador universal, num ser maior,  num ser "protetor para as horas difíceis". Queria acreditar que o meu se juntou à minha e, juntos, estão em festa,  num ambiente imaginário. Que agora estão me olhando,  nos observando,  apreciando suas obras biológicas. Queria agora ter a sensação de estar sendo vigiado,  apreciado,  nem que seja um apreço interno,  restrito aos meus pensamentos,  e sentir esta tão divulgada sensação de presença. Queria acreditar que existe um outro mundo, feito para os que já se foram,  pois assim eu saberia que um dia iria revê-los quando por lá desembarcasse e os tivesse à minha espera. Enfim,  queria ter o conforto da crença no abstrato; no obscuro; no absurdo. Mas não tenho este conforto,  solução reconfortante da humanidade para o mal da perda,  da ausência, da dor. E não me perguntem "então por que não acredita?" que eu direi apenas que isto não é questão de escolha.

Não é questão de simples alternativa. É coisa que vem de dentro, do mais profundo recanto do meu ser, da pura racionalização da minha,  da nossa existência. É coisa que me domina, que me dá também boas sensações, sensação de liberdade,  sensação de independência, sensação de leveza num mundo onde paira sobre muitos o absurdo nos ares,  os espíritos a nos vigiar, os temores e obediências aos deuses,  os rituais ininteligíveis e as submissões ao nada. Também não é questão de escolha a troca do racional pelo emotivo, mas eu até os trocaria por alguns momentos, para poder gozar sensações reconfortantes que tanto vejo apreciarem. Mas deixaria claro que iria querer meu racional de volta,  pois prefiro ele a toda e qualquer emotividade sem sentido,  ainda que reconfortante. 

Por fim,  querer acreditar é querer se consolar,  preencher lacunas reais,  lacunas abertas nas entranhas, lacunas cujas cicatrizes ficarão indeléveis, com enchimentos abstratos e apenas consoladores. Portanto,  pensando bem,  deixem minhas lacunas abertas; que as cicatrizes sejam hipertróficas,  queloidianas, mas que sejam cicatrizes que representem a importância do verdadeiro tecido arrancado do meu ser.