Sertão Hoje

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Colunistas

Fabiano Cotrim

É professor e advogado do escritório "Cotrim, Cunha & Freire, Advogados Associados", em Caetité. Membro da Academia Caetiteense de Letras (cadeira Luís Cotrim), Mano, como é conhecido, gosta mesmo é de escrever poesias, mas, desde os tempos de Maurício Lima, então batucando na sua velha Olivetti Lettera 32, colabora com o Jornal Tribuna do Sertão, sempre nos mandando crônicas.

Gentileza

Fumava. Todos lhe diziam o que todos dizem aos fumantes, mas fumava! E não tinha mais cigarros! E não tinha aonde comprar cigarros, ou melhor, ali, naquele canto do mundo em que estava, no meio do mato, na zona rural, na roça, naquela vastidão sem fim, nada de venda, nada de quiosque, nada de barraquinha, nada de cigarros.

Não, não que ele fosse desesperado para fumar. Não era isto. Apenas fumava, gostava de fumar quando bem lhe aprouvesse. E não gostava de não poder fumar quando lhe aprouvesse. E agora, ali, o carro quebrado, o amigo tendo ido buscar socorro, ele sozinho naquele ermo, queria fumar.

Quando deu por si estava revirando o interior do carro, o cantinho todo para ver se havia deixado algum cigarro, uma carteira aberta, esquecida. Mas nada. E também nada do amigo voltar, nada de socorro, nada de nada. Hora perfeita para um cigarrinho, pensava.

E foi pensando assim que pensou no que lhe dizia o dito amigo que demorava toda vez que ele acendia um cigarro e dizia que aquela era a hora perfeita para um cigarrinho.

- E lá tem hora perfeita para uma miséria dessas. Apaga essa coisa!

Mas ele realmente achava que certas horas eram perfeitas para fumar. Fim de tarde, banho tomado, café fresco e... ... ... um cigarrinho! Pensava nisto e nem se deu conta da aproximação de um homem velho montado a cavalo. Lentamente se aproximavam. O homem velho e o cavalo idem. Sorriu.

-Boa tarde!

-Tarde! Carro quebrou?

- Quebrou...

- É dureza...

- É... Não me leve a mal, mas o senhor teria um cigarrinho pra me arranjar? É que fiquei sem e o amigo tá demorando pra voltar...

- Apois tenho sim senhor! Abriu o alforje e de lá tirou um pedaço de fumo de rolo, palha, fósforos, a tralha completa.

- Só tenho desses, se servir... - Serve! Serve! Sabia fazer o palheiro. Fez. Fumou com gosto o fumo perfumado e saboroso. O velho lá. Montado ainda...

- Mas que falta de educação a minha. Era tanta a vontade de fumar que nem agradeci o amigo...

- Não precisa...

- Desce um pouco. Vou fazer um cigarro para o senhor e fumamos juntos.

- Eu não fumo.

- Como assim, não fuma?

-Não. Não fumo.

- Uai, não fuma e carrega essa tralha toda?

- Apois, é que eu morro de vergonha de um camarada meu me pedir um cigarro e eu não ter para servir...

Despediu-se, mas antes lhe esperou fazer mais uns dois cigarros, e partiu deixando uma nuvem de gentileza no ar.