Sertão Hoje

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Colunistas

Fabiano Cotrim

É professor e advogado do escritório "Cotrim, Cunha & Freire, Advogados Associados", em Caetité. Membro da Academia Caetiteense de Letras (cadeira Luís Cotrim), Mano, como é conhecido, gosta mesmo é de escrever poesias, mas, desde os tempos de Maurício Lima, então batucando na sua velha Olivetti Lettera 32, colabora com o Jornal Tribuna do Sertão, sempre nos mandando crônicas.

O ceguinho lá de casa...

Não sei se já lhes disse que gosto de cachorros. Se não disse, digo agora. Se já disse, digo de novo. Eu gosto de cachorros. Muito. Atualmente são quatro os que me acompanham, que é para vocês terem certeza do que digo. Pois bem, essa matilha é composta por indivíduos de idades diferentes. O mais velho deles, e dele não direi o nome para lhe preservar a individualidade, o seu sagrado direito à vida privada, está ceguinho da silva. Lhe acometeu uma tal atrofia progressiva da retina e ele foi perdendo a visão aos poucos, sem dores, naturalmente.

Não há tratamento. É natural da idade, ou pelo menos não é tão incomum. Mas não importa o nome da doença, as suas particularidades. Importa que o meu amigo ficou cego e isto me preocupa. Vejam que eu disse me preocupa. Já a ele, não. Ele, o idoso cachorrinho mais lindo do mundo, não faz drama com o drama que é perder completamente a visão depois de tanto ter enxergado. Eu disse tanto ter enxergado?

Disse. E eis que assim começo a falar do que realmente queria, mas me desviei no caminho. O cachorrinho de quem lhes falo tem me mostrado exatamente isto, esta lição de sabedoria. É o seguinte o que ele tem me feito enxergar com a sua cegueira: Os seres dotados de todas as faculdades, que nascem falando, andando, enxergando e assim permanecem até a velhice, não podem fazer das perdas que a vida lhes impuser uma tragédia sem fim.

Não é uma bela lição? Ele, o meu amigo canino, não deixa que a sua condição atual lhe tire a vontade de viver. Adota estratégias as mais variadas de sobrevivência de acordo com o que, agora, lhe é possível fazer, viver. Vez ou outra dá de cara com algum obstáculo, mas sacode o pelo e dá a volta por cima, e segue, todo pimpão, para fazer o que queria fazer.

Justiça seja feita, ele tem uma companheira que lhe conduz pela escuridão da sua retina progressivamente atrofiada. Uma cachorrinha da mesma raça sua, que agora lhe serve como perfeito cão-guia. O amor deles dois, o cuidado que ela lhe devota, a sua docilidade para aceitar a sua ajuda, tudo junto é outra lição que me vem desses amigos tão meigos e carinhosos.

Pois é, eu volto a lhes dizer que gosto, mais do que gosto, de cachorros. Contudo, justiça seja novamente feita, creio até que eles gostam ainda mais de mim, de tanto que me ensinam, do tão pouco que eu posso lhes ensinar...