Sertão Hoje

Sertão Hoje

Colunistas

Fabiano Cotrim

É professor e advogado do escritório "Cotrim, Cunha & Freire, Advogados Associados", em Caetité. Membro da Academia Caetiteense de Letras (cadeira Luís Cotrim), Mano, como é conhecido, gosta mesmo é de escrever poesias, mas, desde os tempos de Maurício Lima, então batucando na sua velha Olivetti Lettera 32, colabora com o Jornal Tribuna do Sertão, sempre nos mandando crônicas.

Crônicas da pandemia - Parte I: Datas comemorativas

Quem primeiro soltou vivas e urras foram as leitoinhas do chiqueiro. Logo os frangos mais gordos também lhes fizeram coro e a balbúrdia foi geral na fazendinha localizada em uma cidadezinha dos grotões da Bahia, chamada Caetité. Os perus, haviam seis deles na fase jovem das suas vidas curtas, sempre soturnos, não entendiam nadica de nada.

- Que diabos comemoram esses condenados a virarem churrasco e guisados em pleno findar de maio? Inocentes não são, pois os seus pais e mães tiveram o mesmo fim, e nessas épocas sempre foi assim?

E puseram-se a gluginear de pura ironia a peruzada. Filósofos por natureza, teciam as mais profundas elucubrações a cerca daquela alegria incabível demonstrada pelas leitoas e frangos do lugar. Fossem eles humanos, tudo bem. Estes realmente são inexplicáveis, incompreensíveis. Choram de rir, riem até chorar. Choram por qualquer coisa, riem e se regozijam da morte alheia, sobretudo se o cadáver lhes vier assadinho, no ponto, como se deu com uma perua já era da no ano passado. Idosa, mas nem assim escapou do apetite sem fim dos homens e acabou numa bandeja, morta, servida com farofa, sacrificada em nome do nascimento de um deus desses que os homens tanto gostam.

Enquanto pensavam os perus, leitoas e frangos, e galos, e galinhas, e porcas, e porcos mais velhos dançavam e folgavam cada vez mais intensamente. Grunhidos felizes, cacarejos de puro gozo. Inclusive foi pena para todo lado, pois a festa, no galinheiro, descambou para uma orgia desregrada mais para o fim do dia. Do chiqueiro também ressoavam guinchos de prazer e um fétido plofplof de lama chafurdada. Enfim, a festa da carne, mas da carne viva tomou conta daqueles lugares.

Já irritado a ponto de envermelhar o papo, o peru mais nervoso resolveu tomar uma providência. Parar com aquilo, ou pelo menos entender aquilo. Rumou no seu passo de peru nervoso para o chiqueiro, pois os porcos, todos sabem, são bem mais inteligentes do que as galinhas. Eles lhe explicariam a razão daquele festim. Filósofo por natureza, parou e disse para si mesmo.

-Mas se é um festim, mas se parece ser uma orgia, haverá explicação possível? Tais coisas não se dão exatamente contra qualquer razão, não são a própria expressão da ausência da razão?

Voltou. Não iria perguntar resposta para o que não tem resposta e parecer um ignorante. Não para um porco. Estava ele, o Peru curioso, nessa ensimesmação quando sentiu uma bicada forte por trás e ouviu um “e aí gostosa, vamo festá?” Já virou partindo para o ataque quando viu que era um frangote de nada quem lhe assediava com modos tão grosseiros. Onde já se viu, bicar o cu de outro assim? Mas relevou. O franguinho não dava nem para saída. E estava transtornado. Isto se via logo de cara, os olhos vermelhos, o aspecto ébrio daquele projetinho de galo.

- Não vou lhe matar na porrada, seu pinto ousado, mas você vai ter que me dizer o que tanto comemoram no galinheiro e no chiqueiro. Desembucha logo se não eu te arrebento.

- Oxe, não sabia não? São João foi ontem e ninguém foi pra panela, ué. Estamos comemorando a vi...

Antes mesmo que terminasse a frase o peru partiu o franguinho ao meio de um só golpe.

-Mentiroso! Capadócio! Pândego! Com um peru nervoso não se brinca! Estamos em maio, dia 26! São João uma porra, isso deve ser maconha que eles comeram no lugar de ração. Odeio maconheiros...