Sertão Hoje

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Colunistas

Moacir Saraiva

Professor do IFBA/Valença - Escritor e Acadêmico da Academia Valenciana de Educação, Letras e Artes Email: [email protected]

A CORAGEM SUGADA PELA RUA

Algumas pessoas têm uma capacidade incrível para criar frases de efeitos e outras pérolas linguísticas emitidas no momento presente no qual estão inseridas. Isso independe de escolaridade. Outrora, eu ia para a Fonte Nova, quando ainda pobre podia frequentar e assistia os jogos na Geral que era o local com os ingressos mais baratos. Naquela época, as torcidas eram misturadas e não havia nenhum tipo de confusão, apenas saiam pérolas linguísticas de lado a lado, servindo para dar mais alegria ao estádio, pois todas elas causavam muitos risos tanto na torcida de um lado como do outro. 
Trabalha comigo uma moça que tem a capacidade de criar essas pérolas, vira e mexe ela solta umas que, no contexto, são preciosidades dignas de serem arroladas nos anais da nossa literatura. Estou mais atento a elas e comecei a anotá-las. 
Ela tem uma folga por semana, em dia útil, a fim de ir à rua e resolver suas pendências ou ficar em casa a fim de dar um trato no seu habitat. Claro que cada um a aproveita a seu bel prazer. As pessoas do seu entorno começaram a observar que, nessa folga, ao longo dos meses, ela jamais se deslocava para a rua na parte da manhã. Muitos vizinhos, optam pelo turno matutino a fim de não pegar a quentura do sol da tarde, mas ela se recusava, com o sol escaldante vespertino era seu horário escolhido, não era o preferencial, era o único. Não terminava nem de almoçar ainda saia mastigando, mas era este o horário de perambular ou resolver questões na cidade. 
Seus vizinhos e familiares sabem que se trata de uma pessoa determinada, com forte opinião e não abre mão de suas crenças, mesmo contrariando a todos, por isso, respeitavam a decisão dela. A ida matinal à rua é mais aceita pelos partícipes do seu grupo, considerando uma série de variáveis; o clima, voltar cedo para casa e fazer as tarefas domésticas, tirar uma sesta após o almoço, mas ela era irredutível. 
No entanto, essa diversidade de horário para ir à cidade, não causava nenhum transtorno para ninguém, uma vez que o grupo que preferia ir logo após o café matinal, não se constrangia por ela ir sozinha à tarde, ou com outras pessoas que a acompanhavam, da mesma forma, a moça e seus adeptos ficavam de boa pelo fato de as amigas escolherem outro horário.
Mas apesar do tempo, ninguém sabia os motivos daquele comportamento da amiga. Em uma tarde de domingo, elas estavam reunidas e alguém a inquiriu sobre não seguir o grupo para ir à rua no período da manhã. Ela olhou e começou a discorrer sobre seus motivos.
Vocês sabem que o sujeito que tem o olho de seca pimenteira, quando vai em tua casa, mata planta, mata animais pequenos, até grandes animais ficam doentes, por causa do olho ruim da pessoa. Tem gente com olho de seca pimenteira que adoece até o dono da casa. 
Uma das interlocutoras se levantou e perguntou:
- O que tem a ver o olho de seca pimenteira com você ir à rua pela manhã?
Ela pausadamente começou a discorrer sobre sua crença.
- Amiga, eu fui duas vezes, pela manhã para a rua, resolver questões específicas, não fui nem bater perna, fui a negócio. Senti que as portas das lojas, as portas dos bancos e as portas das casas olhavam para mim com um olhar diferente e eu não percebi o que estava por trás desses olhares. Quando chegava em casa, sentia uma moleza danada de grande e sem coragem para fazer nada, desejando apenas cama para me deitar. 
A amiga exclamou:
- Oxe, cruz credo e se benzeu.
Ela continuou:
- Concluí que essas portas, na parte da manhã, têm olhos de Seca Pimenteira e sugam toda a minha coragem, pois quando vou, à tarde, à rua, volto de boa para casa com a coragem redobrada.