Sertão Hoje

Sertão Hoje

Colunistas

Academia Caetiteense de Letras

Esta Coluna é produzida pelos integrantes da Academia Caetiteense de Letras (ACL) e os seus convidados e tem por objetivo compartilhar com o público discussões relevantes sobre temas da atualidade, sob a ótica acadêmica e literária.

Aula da Saudade

Hodie mihi cras tibi

Salve todxs!

Dessa vez, quero trazer para frente da tela um tema polêmico, aliás, polemizar nesses tempos de polarização, extremismos e radicalismos, nem é preciso se esforçar para pelos eriçarem-se nas diversas espécies de animais políticos desse contemporâneo patropi. Bem, dado ao aspecto contraditório do tema, já o apresentarei em binômio antagônico de tags – Saudade vs. Saudosismo.

No ramo do magistério público da educação básica, é comum ouvir-se dizer de uma escola antiga muito melhor que a escola pública atual. Para sustentar essa tese, um dos argumentos absurdos que se ouve é: “tenho saudade do meu tempo de estudante, todo mundo tinha apelido, muita zoação, tudo se resolvia na porrada depois da aula, não tinha esse negócio de bullying não!”

Essa comparação pífia é frequente nas redes sociais, uma lástima. Sobre os apelidos, nove entre dez eram indesejados: cego, perneta, tição, neguinha, negão, sapo, cavalão, urubu, caga-osso, lombriga, viado. Isso, mais zoação e porrada, vai provar por x + y que tinha esse negócio de bullying sim!

E como tinha... a expressão estrangeira – bullying – não se traduz em um vocábulo para o português, para nós, tratam-se de atitudes conscientes e recorrentes com intuito odiável de “humilhar, intimidar, promover agressões físicas e psicológicas, difamar, debochar, ameaçar e destruir pertences”. E isso sempre foi, cristalinamente, observável nas escolas de todas as épocas e todos os lugares. É um fenômeno antigo, há mais de 150 anos, Charles Dickens, notável romancista inglês, retratava a prática de bullying em uma de suas primeiras novelas de nome Oliver Twist, levada ao cinema pelo cineasta Roman Polanski em 2005.

Então, apelidar pejorativamente e agir com os maléficos objetivos já ditos aqui, não é nem nunca foram atitudes para se orgulhar, para ter saudades. Muito pelo contrário, devemos lamentar as muitas vezes que tais práticas trouxeram as suas gravíssimas consequências, vejam essa resumida lista de danos individuais sofridos pelas vítimas de bullying registrados pela SBP – Sociedade Brasileira de Pediatria: “O bullying pode resultar em transtorno do pânico, fobia social (timidez), ansiedade generalizada, anorexia, bulimia, transtorno obsessivo-compulsivo, depressão, transtorno do estresse pós-traumático e sintomas psicossomáticos (náusea, palpitação, dor de cabeça, diarreia, alergia, tremores, sudoreses). Casos mais graves podem resultar em homicídio ou suicídio”.

Numa cesta mais filosófica, sobre esse papo de saudosismo, cabe uma prosaica reflexão. A cultura, em todos seus compartimentos, é repassada de uma geração para outra, creia, a formação dos professores atuais foi feita pela geração de professores anterior. Se os antecessores eram, como querem impor, bem melhores, clareia-se uma densa suspeita de que, aqueles, falharam na formação destes novos profissionais.

Mas não é assim. Em todas as matrizes culturais, sempre existiram professores, alguns ótimos e até geniais e outros nem tanto. Como diria o cancioneiro popular: “a vida só presta assim, uns são bons outros ruins”. Mas a dúvida persiste se admitirmos que o conhecimento e a prática pedagógica ancestral suplantam os processos e as metodologias atuais – a quem responsabilizar por isso? Foram os mestres que não desempenharam, a contento, a sua função? Ou foram os discípulos insipientes em demasia para assimilarem os ensinamentos?

Em cuidado ao conteúdo acima lumiado, não há que se desprezar parâmetros como tamanho das escolas e número de alunos delas. No tempo referência, uma escola grande do sertão baiano tinha algo como 500 alunos, hoje em dia são 500 em cada um dos três turnos, numa escola com, basicamente, a mesma estrutura física e de gestão da outra escola. A árvore de habilidades dos antigos mestres frutificava sem necessidade de muitos galhos, os quais, hoje, são imprescindíveis e por eles, os supra temporais professores, são dedicadamente cultivados. Portanto, gaste a escola que se tem como se fosse a melhor de sempre e confia que os educadores se esforçam, diuturnamente e além de seus compromissos, para que se tenha a melhor escola em qualquer tempo e lugar onde haja aluno.

Caetité, agosto de 2023

Fábio Silveira – Pereu

Academia Cetiteense de Letras

Cadeira 33 – Danúsia Freitas