Sertão Hoje

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Academia Caetiteense de Letras

Esta Coluna é produzida pelos integrantes da Academia Caetiteense de Letras (ACL) e os seus convidados e tem por objetivo compartilhar com o público discussões relevantes sobre temas da atualidade, sob a ótica acadêmica e literária.

Vila, em 13 de dezembro de 2020.

Nobre amigo Cotrim,

Decidi refletir um pouco sobre a questão que tanto o incomoda ultimamente e que, segundo me pareceu ver em seus últimos comentários, é motivo das suas (e também minhas) exasperações e mobilização em busca de explicações razoavelmente racionais sobre o que denomina de “O complexo de Vila” que se abate sobre nós. Por isso resolvi traçar essas linhas ao estilo epistolar para que, assim, possamos contornar as restritivas falas trocadas com sofreguidão e certo atabalhoamento das redes sociais que, se nos promove estreita comunicação cotidiana, nos nega na plenitude do diálogo mais largo que dê conta das complexas implicações que esse tipo de conversa requer.

Minha decisão sobre a escrita dessas breves reflexões sobre o tema decorre da compreensão da legítima necessidade de falarmos sobre isso. Ao contrário de considerar que se trata apenas de uma questão lateral em nossa grata interlocução, essa é uma questão que pode iluminar mais nosso presente e nos fazer tomar melhores rumos em nosso futuro social. Como dito em conversa anterior, creio que o passado deve ser encarado como repertório de experiências, de onde possamos recorrer para cuidar das ações e posições do presente, mas não deve jamais ser superior a ele nem engessar ou intimidar, muito menos negar o protagonismo dos homens (e mulheres) em seu tempo histórico.

Pelas suas posições e a percepção que fazemos de nossa trajetória histórica das últimas décadas, temos vivido por gerações a fio sob o fardo pesado e oneroso de um passado decantado em sua grandeza mas que, por algum motivo, não consegue projetar-se para o presente com o mesmo vigor e ofertar aos coetâneos do nosso tempo as condições de reproduzir as mesmas virtudes e sucessos de outrora. Disso decorrem as questões: ou esse passado glorioso não teve, de fato, a força produtora de uma sociedade briosa na proporção, intensidade ou abrangência com que se alardeia (me parece que aqui se filia a sua posição), ou tivemos um rompimento contundente com esse passado e, por isso, demanda do nosso esforço e localizá-lo temporalmente, buscando as razões para isso.

Vejamos. A consequência mais visível dessas questões é o fato depercebermos, recorrentemente, vozes que se levantam em defesa desse passado glorioso, clamando pela sua legitimidade e perenidade na memória coletiva, de episódios e homens ilustres que se apresentam como marcos sociais e históricos. No entanto, nos debatemos com o pequeno lastro de memória social que também recorrentemente parece esquecer ou, de alguma forma, negar esses mesmos homens e eventos. Aqui, a questão nos remete ao plano da memória, onde os atos de lembrar / esquecer, traz contradições já esclarecidas por pensadores como Paul Ricoeur, Michel Pollak, e que talvez não convenha para o momento.

Em evento recentíssimo, testemunhamos a luta mais que legítima, capitaneada pelo nosso confrade Mr. Koehne para garantir o nome do ilustre intelectual João Gumes ao Teatro Municipal, da qual já sabemos o desfecho, não sem antes vivenciar as angústias e incertezas de uma batalha que se travou no cenário do legislativo municipal, mas que operou antes no plano da memória social. A questão que esse episódio nos traz não seria: se socialmente reconhecemos ou não o valor do homenageado, sua história de engajamento, suas contribuições grandiosas no plano na cultura, em especial na condução do projeto que edificou o também decantado Teatro Centenário.

A questão mais relevante (que dialoga muito mais com o nosso presente e futuro, não exatamente com o passado) seria: Qual a relação que essa sociedade construiu e manteve nos últimos tempos com o teatro enquanto ação, arte, espaço de manifestação do humano, de suas extrapolações do cotidiano enquanto forma de superá-lo? Como temos cuidado, reconhecido, valorizado ou incentivado aqueles que ainda(e quase invisivelmente)em atitude de renúncia heroica teimam em acreditar no teatro como exercício vigoroso da manifestação humana sublime? Ou mesmo dentre nós, quantos dos próceres membros desse silogeu tem se ocupado em subsidiar os artistas locais com textos, produções ou outras formas de apoio à nobre arte que faça justificar a reiterativa (e discutível) posição de “terra da cultura”? ou ainda: como estamos atuando para que a obra do ilustre Gumes continue a circular, fermentar e servir de baliza para promover novos autores de sua estirpe? Não nos cabe esse papel? A quem caberia?

Quando contemplo, por exemplo, as ações e trajetória do prodigioso ator Fernando Dias e a trupe dos Dobradores da Arte que tão lindamente produz teatro com paixão, entrega, verdade e que, de tão bom, já se multiplicou em outros grupos, encantando e envolvendo jovens abnegados como ele. Além de, com isso, alimentar minhas esperanças, eu questiono: temos de fato uma sociedade de valoriza a cultura artística, como seu passado denuncia ou apenas nos apegamos a um adágio que nos serve de muleta para,trôpegos, seguirmos negligenciando o grande teatro de ações históricas da humanidade: o nosso presente?

Portanto, caro Cotrim, há muitas tarefas para todo(a)s. Uma delas é encarar sem medo esse passado que nos encanta ou nos assombra, para nos apropriarmos de suas lições e, quem sabe, desconstruí-lo na perspectiva de torna-lo mais real, menos mitológico. Tenho me ocupado nos últimos tempos em uma tarefa acadêmica de lançar luz sobre o tema, de um certo ângulo de visão (motivado por questões / problemas) que me conduzirão muito em breve, espero, a produção de uma tese sobre algumas questões que, creio, colaborarão para a reflexão sobre a dita vila em sua fundação.

Essas são formas de engajamento que cada um de nós, em seu labor profissional ou trincheiras de lutas como as que assistimos recentemente, pode comprometer-se com a causa. Com os votos de que possamos ainda manter o debate profícuo sobre a causa, atenciosamente me despeço.

Saudações acadêmicas,

Zezito.

 

N.R.- Inaugurando a coluna “O Silogeu” apresentamos este texto em formato epistolar de autoria do Professor e pesquisador Zezito Rodrigues, ocupante da cadeira 13-Conceição Pontes, no âmbito de discussões com os seus pares da Academia Caetiteense de Letras (ACL). Saiba mais sobre a ACL acessando https://pt.wikipedia.org/wiki/Academia_Caetiteense_de_Letras .