Sertão Hoje

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Academia Caetiteense de Letras

Esta Coluna é produzida pelos integrantes da Academia Caetiteense de Letras (ACL) e os seus convidados e tem por objetivo compartilhar com o público discussões relevantes sobre temas da atualidade, sob a ótica acadêmica e literária.

Para que serve a poesia? (Trilogia, parte 1)

Com Fabiano Cotrim

Dialogando com Tânia Martins e Luzmar Oliveira

.

E não te esqueças, meu coração, que as
coisas humanas apenas mudanças incertas são.

Arquíloco (séc. VIII A.C.)

Salve todxs!

Dispensar um pouco de atenção aos cômpares da confraria tem sido uma obrigação que venho cumprindo com prazer. Motivações várias modelam esse compromisso, sendo uma das principais, a manutenção do meu ad aeternum, que significa o período em que estarei gozando das prerrogativas de ser membro da Academia Caetiteense de Letras. Confesso que tais prerrogativas têm-me feito bem, embora não saiba claramente quais são elas. Então, adentro nessa metalinguagem afetiva e dou-me a escrever para consumo interno da academia. Seria algo como escrever sobre a escrita para uma agremiação de escribas.

Aqui, o primeiro desafio é escrever na primeira pessoa, depois de anos de exclusividade nos argumentos da dissertação, sem lirismo, sem emotividade, sem poesia, sem narrativas, textos nos quais a indeterminação do sujeito é regra pétrea, não se deve personalizar nem o autor nem o leitor.

Recursaram-me os diálogos para driblar aquela regra, sempre nomeando confrades ou confreiras que, entendo, poderiam valorizar a interlocução com abalizadas opiniões ou, ainda, trazer a poética que me falta para o tecido que as letras tramam enquanto pedalo o tear.

Não foi sem propósito que trouxe à tela as prerrogativas do meu ad aeternum, para, com uma indagação, retomar uma proposição feita ao coletivo dos membros. Qual proposição? Já explico, mas, pela ordem, a indagação primeiro, esta: para que serve a Academia?

O confrade ativo já percebeu onde quero chegar e chego. Agora revelando a proposição. Como um vulcão, que dorme a maior parte do tempo, de vez em quando as atividades literárias na academia se intensificam, resultando em profícua produção. Num desses momentos, propusemos que os acadêmicos escrevessem um ou dois parágrafos ou gravassem um áudio com uma resposta para uma questão semelhante a que fecha o parágrafo anterior: para que serve a poesia?

Pasmem, amantíssimos confrades e confreiras, apenas dois, de mais de quarenta que somos, tiveram a cortesia de responder, agradecendo-os, declino de nomeá-los, informando-os que, oportunamente, tais contribuições serão veiculadas no Phodcast, o único com ph mas você pronuncia como quiser, assim que a pandemia der uma folga mais confortável e segura.

In front of so low answer rate, measures were taken by myself. Quedei-me a cuidar, pois, de fazer as correrias atrás de responder ambos os “para que serve?”, a academia e a poesia. Acredito que as respostas para uma servirão, de bom caimento, na outra.

Como num DeLorean, dominei o paradoxo temporal, até o ano 0001 da era cristã, para encontrar-me com o Poeta Ovídio, um dos grandes, dos maiores. Ao lado de Virgílio e Horácio, Publius Ovidius Naso completa a tríade canônica da literatura latina. Já houvera estado, outrora, com Ovídio, à época estudava métrica e perseguia informações acerca dos dísticos elegíacos e a poesia performática, empeleita que foi concluída com sucesso, entretanto, desta feita, eu queria uma abordagem mais prosaica, mais pessoal, um toque de brothers na parada, seria muito difícil, o cara era uma celebridade pelos boqueirões dos Apeninos. Chegando perto, percebi que o poeta era mesmo poeta, era boêmio, farrista, raparigueiro, gilete, maconheiro, baladeiro, um monte de fuleiragem, mas com a suntuosa grandeza de ser poeta, e agradava, viu!? Era um tempo que não se queimavam poetas nem livros.

Particularidades à parte, pra não perder o foco e com roteiro do Cêro, virei para Ovídio

e perguntei:

– Ô Dinho, você, que é barão, cheio das moedas, me diga lá, meu irmão, para que serve

a poesia?

Dinho, desandou a esparramar um latinório, dei logo um brake.

– Pera, Dinho, deixa eu botar no google! Atalhei.

– De boas, teacher. Mas vou-lhe dar a idéia. Tem tudo a ver com as musas, se a poesia fosse um apartamento funcional em Brasília serviria para “comer gente”, sacou, brother?

Achei aquilo uma infâmia e tasquei-lhe, na lata:

– Porra véi, que miséra é essa? Eu aqui falando sério, e você vem com piadinha de curral!

– Ok, brother. Falou em latim, com um sorriso de malaco e prosseguiu.

Agora você pega a visão que é rocha,

O poeta pare o poema e posta

A galera gosta e do gosto da galera

É o poeta quem gosta, mas haverá quem desgosta

– Entendi foi nada, nessa cabeça de leitoa. Falei e Ovídio respondeu.

“...dummodo sic placeam, dum toto canter in orbe, quod volet, impugnent unus et alter opus!”

Aquietem-se, caríssimos cômpares, por nós, já fui ao google e descobri que uma coisa é uma coisa e, em latim, é a mesma coisa, vejam a tradução: “...contanto que eu agrade, contanto que eu seja elogiado em todo o mundo, um ou outro, se quiser que ataque meu poema!” E eu, cá comigo, cismei: Ovídio véi né mole não, além de dar serventia pra poesia, ainda deu uma esnobada na crítica. Calei.

Caetité, julho de 2021

Fabio Costa Silveira Lima

Cadeira 33 – Academia Caetiteense de Letras