Sertão Hoje

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Academia Caetiteense de Letras

Esta Coluna é produzida pelos integrantes da Academia Caetiteense de Letras (ACL) e os seus convidados e tem por objetivo compartilhar com o público discussões relevantes sobre temas da atualidade, sob a ótica acadêmica e literária.

Para que serve a poesia? (Triologia, parte 2)

Por Fábio Silveira
Com Fabiano Cotrim
Dialogando com Lu Bastos e Ju Ladeia

A poesia começa quando um idiota olha
para o mar e diz: parece azeite!
(Cesare Pavese – Itália 1908-50)

Salve todxs!

Nesta pugna de descobrir para que serve a poesia, sentimo-nos obrigados a instalar uma Comissão Poética de Inquérito, principalmente depois que começaram a circular, na deep web, a história, até hoje não confirmada, de um serial killer, que aterroriza o sertão baiano, de Feira de Santana até a Lapa do Bom Jesus, por achar obnóxia a nossa recorrente pergunta titular.

Depois dos bons resultados da oitiva com o poetaço Ovídio, fica, de antemão, aprovado o requerimento para a convocação de poetas e outros escritores, como investigados e testemunhas, com imediato levantamento dos sigilos de praxe. Ficam, também, cassados, por decisão liminar estendida, todos os HC’s que reservem o direito ao silêncio.

Frente aos fatos, a mobilização da imprensa, em todas as mídias, foi imediata – Oh, uma nova CPI!? – borbotões de prós e contras inundaram o noticiário. Um sem número de “especialistas” trouxeram, todos, o último argumento, the ultimate sentence.

Por pensarem que a ‘nossa’ poética CPI investigaria os fatos ao redor do anônimo autor da e-popéia brasileira intitulada, “Propinas por Vacinas”, um opúsculo que estava bombando nas redes sociais, muitos tentaram desqualificar a Comissão, todavia, outros não, de fato, interessaram-se, aplaudindo. Depois de esclarecido que não seria parlamentar a comissão, seria poética, todos apoiaram. O parlamento, por razões de domínio público, anda em baixa, cautelado por uns tais políticos do centrão, gente nada confiável, envolvida com não-políticos menos confiáveis ainda, tipo milicianos, empresários desonestos, matadores de aluguel, militares corruptos e, com a pandemia da Covid-19, uma nova categoria de bandido, o ladrão de vacinas, acreditem, eh phoda, viu!?

Num canal de TV por assinatura, uma chamada para uma entrevista com Aristóteles veiculava repetidamente. O grande Ari, mas tão grande, tão grande, onde se quer filosofia, que nem dá para chamar de Ari, tem que ser Aristóteles mesmo. Pois é, mesmo não sendo o inventor da poesia, o renomado Aristóteles, filósofo grego, que pisou no chão desse mundo, no século IV a.C, foi dos primeiros a estabelecer uma didática significativa para podermos identificar a serventia da insistentemente, desde sempre, existente poesia.

Aristóteles teorizou sobre o conhecimento humano e organizou assim: teoria, prática e poesia – theoría, práxis kai poiesis –. O envolvimento inexorável do filósofo com a poesia fica provado no primeiro tratado publicado para defendê-la, chamado “Poética de Aristóteles”. Mira bien, porque, mios compadritos, se toda atividade humana se esteia em três régios pilares e um deles é a poesia, na visão do magnânimo pensador grego que, de quebra, ainda produziu um tratado inteirinho sobre o tema, a poesia, certamente, há de servir para alguma coisa. Em que pese tais informações, não pude deixar de acompanhar a entrevista que tinha uma hashtag bombando no twitter.

Foi ali que o outro helênico, coetâneo de Aristóteles, tuitou acerca de suas desconfianças dos poetas.

– Que outro teacher?

– Não viram? Foi Platão, aluno de Sócrates, o divisor de eras. Platão não punha fé nos poetas, por julgá-los artistas dispersos ao que ele lacrava ser o verdadeiro conhecimento: a filosofia. Ari retuitou: oh, coitado! Mas depois reconheceu que Platão era também um dos maiores pensadores da humanidade. Aristóteles disseminava a sua filosofia através das celebres aulas peripatéticas, registrando-as em prosas e versos. Já Platão, parece-me que ficava de conversê, pois preferia os “Diálogos”, ainda que escritos.

Holla de nuevo, compadritos mios! Sei que não me acharão piegas por pincelar esses rudimentos elementares da História da Filosofia, mas foi para onde a investigação que empreendemos se encaminhou e não poderiam deixar de constar nos autos. Como também não posso deixar de escusar-me com Platão, por tê-lo feito parecer um pouco menor com a minha retórica, especialmente por ele ser o grande pensador d’A República, o verdadeiro bambambã. Mas... é porque eu torço pelos poetas, destaca-los-ia sempre.

Mudando o canal, vemos os preparativos para a oitiva do dia na CPI, a poética, viu?

Importante demais o depoimento que está por vir, o depoente é um poeta de categoria maior, laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em1998. José Saramago é o nome da fera.

No telão da sala de sessões da CPI, confirmando a troca de mensagens entre o premiado Saramago e o blogueiro de aventuras náuticas, chamado Luís Vaz de Camões, que não entendia nada de futebol, mas denunciou Vasco da Gama, por monopólio no controle das rotas de especiarias do Alentejo até o grande bazar de Goa, o inquiridor-relator apresentou o print, de uma extensa conversa em um aplicativo de mensagens, onde estavam postados os seguintes versos assinados pelo depoente:

EPITÁFIO PARA LUÍS DE CAMÕES
Que sabemos de ti, se só deixaste versos,
Que lembrança ficou no mundo que tiveste?
Do nascer ao morrer ganhaste os dias todos?
Ou perderam-te a vida os versos que fizeste?

 

– Sob o juramento de dizer a verdade, o depoente reconhece, como sua, a autoria desses versos? Foi o primeiro questionamento do relator. Saramago não negou, assumiu a autoria tão rápido quanto assumira, um dia, a sua posição de ateu e materialista. A bancada conservadora ficou arrepiada, afinal, esse pessoal ateu costuma ser comunista ou vice-versa. Mas, seguiu-se o inquérito, e veio o relator com ares sombrios e voz grave.

– Senhor José, quero agradecer a sua sinceridade, mas tenho que chamar a atenção para a sua falta de empatia, pois percebe-se, com clareza evidente, que V.Sa. nunca levou em consideração o chorar sem ritmo e sem cadência dos familiares e fãs do poeta. Caros confrades, o depoente reconhece, que foi lá e com palavrinhas eufemísticas, mas numa postura como se brandisse uma engordurada e quente caçarola, perguntou ao poeta para que serve a poesia?, como se estivesse a cobrar uma conta a ser paga mesmo depois de morto e sepultado. Por acaso, o Sr. José tem informações relevantes que possam responder a essa questão? Ou tudo que o depoente tem é uma implicação gratuita contra o estilo de vida dos nem sempre alegres trovadores? São perguntas objetivas, responda-as! Concluiu o inquiridor.

- Não, não e não! Retrucou Saramago. Nada tenho eu contra os bardos, pelo contrário, estou sempre me apresentando como um deles que, efetivamente, sou. Sei, por experiência própria, que a poesia serve para agradar, divertir, emocionar e, sobretudo, esparramar sorrisos ao feitio das batatas que espalham as suas ramas. É só alegria, parece muito com esse meu jeito bom de enxergar os poetas, e recitou:

 

CIRCO
Poeta não é gente, é bicho coiso
Que da jaula ou gaiola vadiou
E anda pelo mundo às cambalhotas
Recordadas do circo que inventou.
Estende no chão a capa que o destapa,
Faz do peito tambor, e rufa, salta,
É urso bailarino, mono sábio,
Ave torta de bico e pernalta.
Ao fim toca a charanga do poema,
Caixa, fagote, notas arranhadas,
E porque bicho é, bicho lá fica,
A cantar às estrelas apagadas.

 

Depois dessa, fica encerrada esta sessão, enquanto se aguarda a manifestação dos confrades de gosto ou desgosto. Para o bem ou para o mal, compadritos, não se furtem de dizer apenas a verdade e nada mais. Não se esqueçam de ativar as notificações, deixar o seu like e compartilhar nas suas redes. Um forte abraço.

Caetité, julho de 2021.