Sertão Hoje

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Ricardo Stumpf

Ricardo Stumpf é graduado em Arquitetura, com especialização em Desenho Urbano, Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia e especialização em Lingüística: leitura e produção de textos pela Universidade do Estado da Bahia (2007).

Feridas abertas

O ano de 2016 foi pródigo em divisões causadas pela política. Amigos, famílias, colegas de trabalho, muitos se posicionaram em campos opostos quando a mídia direitista iniciou sua campanha pela deposição da presidente eleita, logo após a sua reeleição, inconformada pela derrota de Aécio neves e seu programa neoliberal.

Assim que a mídia, comandada pela Globo e pela revista Veja, iniciou a campanha de fatos negativos, muitos deles criados artificialmente para gerar um clima de "crise" (quando o desemprego estava em 6%, um dos mais baixos da história, a Globo já afirmava que havia uma crise de desemprego), os chamados "coxinhas" começaram a mostrar a cara, muitas vezes surpreendendo gente que os conhecia há muito tempo.

Pessoas que eram (ou foram de esquerda) começaram a falar mal da Dilma e do PT, sem nenhum critério que não fosse a campanha difamatória movida pelos meios de comunicação. Alguns porque não conseguiram empregos em governos que apoiaram, outros porque melhoraram de condição social e passaram a incorporar a ideologia das classes dominantes e já se sentiam como tais, outros simplesmente por repetição, sem nenhuma crítica, por ignorância mesmo, ou pela soma de todos esses fatores.

Mas o ambiente criado em torno da presidente ficou de tal forma contaminado pela campanha negativista, que os "surfistas" de plantão embarcaram alegremente na onda, achando que estavam indo rumo a um futuro melhor, sem perceber (ou fingindo não perceber) que estavam colaborando com uma grande conspiração, cujo objetivo principal era entregar o Brasil de volta para os Estados Unidos e acabar com os direitos conquistados pelos trabalhadores desde o governo Getúlio Vargas.

Aliás, os objetivos de sempre da velha direita que matou Getúlio, derrubou Jango e implantou a ditadura militar. Eles estão sempre de plantão, prontos a destruir a democracia em nome do combate a corrupção, que eles mesmos fomentam através de suas empresas e dos representantes que elegem para o Congresso Nacional.

Ressurgiram então alguns argumentos de índole fascistas, que há muito estavam adormecidos nas brilhantes cabecinhas da classe média idiotizada pela mídia. Desde o preconceito racial, até a defesa das torturas, da homofobia e contra a libertação feminina, o que se viu foi um festival de asneiras difícil de adjetivar, cujo auge ocorreu na noite do impeachment na Câmara dos Deputados, durante a sessão em que os deputados votavam alegremente pelo "sim" com as mais absurdas justificativas.

Depois o espetáculo sinistro continuou na arrogância do Juiz Sergio Moro e do Promotor Dallagnol, com suas "convicções" sem provas, ou com os "isso não vem ao caso", com que reagiam às críticas pelas suas ações ilegais (grampos no telefone da presidente da República, vazamentos de processos, escutas em celas de prisioneiros violando a privacidade da comunicação com seus advogados, dentre outras). A tudo isso a mídia vendida aplaudia, estimulando a idiotização de um público cada vez mais alienado e manipulado.

Não se trata de defender o governo Dilma ou o PT, mas de analisar um processo de manipulação de massas com objetivo de fraudar a vontade popular expressa nas urnas.

Como reagir diante de um conhecido, ou mesmo um amigo, que entrou na onda fascista? Colocar de lado a imbecilização dessas pessoas em nome de velhas amizades, como sugeriam aquelas mensagens açucaradas do Facebook, que diziam para não destruirmos velhas amizades "por causa de política", como se a política não regesse as nossas vidas? Difícil.

De minha parte decidi que não deixaria passar e resolvi me afastar dos conhecidos ou amigos que entraram nessa onda. Alguns protestaram dizendo que se eu defendia a democracia tinha que respeitar a opinião deles. Mas como respeitar pessoas que fazem campanha para cassar o meu voto, expressão máxima e oficial da minha opinião? Eles queriam que eu respeitasse o desrespeito deles pela minha opinião? É isso?

Votei em Dilma e queria que ela continuasse no governo até o final do seu mandato, para que então, talvez, pudesse ser eleito alguém da oposição, embora achasse difícil que até 2018 um sujeito como Aécio Neves mantivesse sua popularidade. Mas as democracias existem para isso. Novos líderes surgiriam se o processo democrático não tivesse sido interrompido.

Foram várias as pessoas de quem me afastei, depois de deixar claro o motivo pelo qual eu o estava fazendo, e não me arrependo. O tempo é sempre o senhor da razão, e agora os escândalos do "governo" Temer estão aflorando, embora ele esteja blindado pela mídia, que finge não ver que ele representa o que há de pior na política. Não apenas pela corrupção, impregnada em seu governo, como pela traição. Traição aos compromissos políticos que assumiu, traição aos ideais democráticos, traição à nação, quando aceita entregar nosso petróleo às multinacionais e submete nossa política externa aos ditames do império norte-americano.

Alguns argumentam que todos esses que estão aí fizeram parte dos governos Lula e Dilma, inclusive o próprio Temer, escolhido para ser o vice presidente. Estão certos, mas isso não significa que os  que agora assaltam o país, representassem o núcleo do governo petista.

São políticos que estão por aí há décadas, participando de todos os governos de plantão, vendendo seu apoio em troca de cargos e benefícios, num sistema representativo que permite a criação de partidos que representam interesses particulares, verdadeiros "clubes eleitorais", com os quais qualquer governante eleito tem que aprender a lidar para conseguir permanecer no poder.

Lula sabia fazer isso muito bem, e como vem ocorrendo desde a Constituição de 1988 (com Sarney, Collor e FHC), permitiu que a corrupção corresse solta, fazendo acordos com Deus e o diabo (Maluf é o melhor exemplo), para implementar suas políticas compensatórias e permitir que os pobres conseguissem melhorar sua situação sem ameaçar a economia capitalista, numa visão social-democrata, que nunca teve nada de socialista.

Dilma, uma outsider da política, não entendeu a situação e quis endurecer contra a corrupção, sem perceber que dependia dos esquemas armados por Lula, contrariando interesses poderosos, dando rédeas à Polícia Federal para investigar e, seu "pecado mortal", rebaixando os juros, tirando dos que vivem de rendas, os chamados "rentistas", a possibilidade de continuar usufruindo graciosamente do trabalho do povo brasileiro.

Para combater os rentistas e os corruptos ela precisaria mobilizar a sociedade num projeto político muito mais ambicioso, para o qual não estava preparada nem habilitada. Por isso foi derrubada e, na esteira do golpe, com a entronização dos corruptos no poder, a velha direita vem tentando passar seus velhos projetos regressistas de acabar com a Petrobrás, a CLT, as férias, o 13o , a aposentadoria e outras conquistas históricas. Mas a direita também não tem lideranças capazes de mobilizar o país para objetivos tão anti-populares e anti-nacionais, por isso seu "governo" está fazendo água.

Diante desse imbroglio, só resta ao país caminhar para a frente, construindo um novo projeto nacional através de uma nova Constituinte exclusiva (pois com esses políticos que estão aí nunca haverá mudança), que consagre os princípios de justiça social, democracia e ética na política, deixando para trás os velhos sonhos autoritários de direita e de esquerda, as ilusões falidas da social democracia e do neoliberalismo, acabando com a monopolização da mídia e os privilégios de políticos, magistrados e militares.

É a oportunidade de ingressarmos numa democracia avançada onde o povo seja protagonista do seu destino, fechando as feridas abertas pelo golpe e relegando os privilegiados de sempre ao passado, junto com os midiotas, que hoje exigem "respeito à sua opinião" sem se darem conta de que ficaram para trás.