Sertão Hoje

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Ribamar Viegas

Morte e morte do Dr. Juracy

Pelas mãos do saudoso deputado federal e engenheiro Vasco Neto, cheguei a Brumado-Bahia, no final de 1973, para executar o projeto geotécnico da Estrada BR-030, trecho Brumado-Maraú.

Brumado era uma cidade carente de tudo: água, luz elétrica, comunicação, rodovia, saúde, educação... Um simples telefonema interestadual só era possível através de Vitória da Conquista. Vale lembrar que uma viagem normal de carro Brumado-Vitória da Conquista durava cerca de quatro horas por um caminho de terra.   

Foi na gestão do prefeito e médico Dr. Juracy Pires Gomes que Brumado saiu do quase nada para se tornar o segundo mais próspero Centro Administrativo/Produtivo do Sudoeste da Bahia. Só perdendo para Vitória da Conquista. Dr. Juraci fez acontecer em Brumado: água (Barragem sobre o Rio do Antônio), luz elétrica na sede e nos distritos (Rede de Alta Tensão e Subestação), comunicação (Telefonia DDD e DDI), educação e cultura (Colégio Estadual de Brumado e Biblioteca Pública), saúde (Hospital Municipal, Prof. Magalhães Neto), rodovias (BA-262, Brumado – Vitoria da Conquista e Av. Centenário), agências bancárias (Caixa Econômica Federal e BANEB), pavimentação (Usina de Asfalto), aeródromo e hangar Sócrates Mariani Bitencourt (Bairro Aeroporto), sinal de rádio e TV via torre repetidora (Alto Pirajá), casas populares (URBIS 1), abatedouro (Periferia do Bairro do Tanque), mercado municipal (Av. Centenário), prefeitura municipal (Bairro Nobre Brumado), cesta do povo (Av. Centenário), casa dos estudantes (Salvador), DIRES, DIREC, CIRETRAN, EBDA, GERFAB...

O Dr. Juracy foi também o médico de todos os brumadenses. Chamava-me carinhosamente de Juruna e foi meu padrinho de casamento, daí minha estima e consideração para com o cidadão Juracy Pires Gomes, independentemente de política.

Na manhã do dia 01 de setembro de 2020, numa padaria, em Brumado, recebo a triste notícia do falecimento do Dr. Juracy. Lamentei profundamente. O informante, uma pessoa da área médica, digna de credibilidade, adiantou-me que foi a COVID 19, e que não haveria velório e o sepultamento seria naquele mesmo dia, às 12h. Olhei para o relógio, 11h e 50 min. Não tive dúvida, rumei para o cemitério Sta. Inês e, mantendo certa distância, pude observar a chegada do cortejo fúnebre. Confesso que meus olhos marejaram. Rezei um Pai nosso e pedi a Deus um bom lugar para aquela boa alma. Estranhei a ausência dos familiares do doutor, mas, em se tratando de tempos de pandemia, melhor prevenir do que remediar, por isso não compareceram ou já estavam dentro do cemitério, pensei.

Na volta para casa, comprei uma vela de sete dias com o propósito de acendê-la para iluminar o terço que já deveriam estar rezando. Família católica é assim.

Cheguei a casa, a mulher, com cara de poucos amigos, perguntando-me:

— Tá sabendo?...

— Sim! — Adiantei — trouxe até uma vela.

— Pra que vela?

— Ué! Pra alma do Dr. Juracy!

— Tu também tá espalhar essa notícia infame?

— Claro que não! Mas estive no enterro. Só não entrei no cemitério.

— Que enterro?

— Do Dr. Juracy!

— Deixa de mentira, Ribamar, terminei de telefonar para a residência do Dr. Juracy, ele está lá, apresentando melhoras.

— De imediato, liguei para meu cunhado na viva voz e perguntei:

— Ficou sabendo do Dr. Juracy?

— Sim!... Morreu!

— Taí. Teu Irmão está confirmando o falecimento, e eu fui ao enterro, alguma dúvida?

— Vocês dois estão precisando diminuir a cachaça!

Embasado na credibilidade de meu informante, meu cunhado e demais pessoas que ouvi comentando o lamentável ocorrido, além da minha presença no sepultamento, acendi a vela, apesar do sussurro malicioso:

— Que enterro foi esse, Ribamar, e para quem é essa vela?

— Já disse! Tudo pela alma de uma pessoa estimada de nome Juracy!

— Me engana que eu gosto!

Diante de tamanha insinuação, não me restou alternativa senão deslocar-me até a Av. Otávio Mangabeira, onde pude constatar que o Dr. Juraci estava em casa, vivinho da silva. Por muito pouco não entrei na casa do meu amigo dando pêsames. Já pensou vexame?

Minha situação em casa só amenizou porque uma rede social também noticiou o falecimento do doutor naquele dia. Contudo, as pendências do enterro a que fui e da vela que acendi ficaram.

Dois dias após, ainda encarando olhares de desconfiança, outra notícia de morte do Dr. Juracy. Aí a minha reação já foi de raiva do autor de tamanha brincadeira de mau gosto. Mas, fiquei na minha, lógico: gato escaldado de água fria tem medo.

Infelizmente o agouro se confirmou. O ex-prefeito de Brumado, Dr. Juracy Pires Gomes, havia falecido mesmo. Dessa feita, foi a família quem deu a lamentável notícia.

Depois da morte e morte do Dr. Juracy, restou-me maldizer as pessoas doentias que se realizam com a aflição dos outros, pedir a Deus um bom lugar para a alma do saudoso amigo e para alma de quem me fez ir ao seu enterro, ascender-lhe uma vela e pagar tamanho mico.