Sertão Hoje

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Ribamar Viegas

Gol de placa

Era setembro de 1970. A carreata do candidato a governador do Maranhão chegou a Chapadinha − Princesa do Baixo Parnaíba ─, na chapada maranhense, por volta das 11hs de um sábado de muito calor, debaixo de um pipocar ensurdecedor de foguetes. Surgiu pela BR-222, passou pela Avenida José Caetano, circulou pelas principais ruas da cidade e estacionou na praça, em frente à Matriz da Padroeira, Nossa Senhora das Dores, onde se encontrava armado o palanque para o grande showmício.    Eu e os demais jogadores da Escola Técnica Federal do Maranhão, estávamos hospedados numa pousada próxima para disputarmos uma partida amistosa contra o time local como parte dos festejos da Santa. Partida amistosa era mera conotação, porque, no interior do Maranhão, jogo de futebol entre time da casa e time de fora era sempre uma batalha de final de campeonato. Sabíamos muito bem disso e estávamos preparados. O jogo foi uma guerra, mas vencemos por 3X2 (para variar, os dois gols do time local foram de pênaltis. Marquei duas vezes pelo nosso time. Naquele ano – modéstia parte − fui considerado o melhor jogador do Festival Esportivo da Juventude de São Luís. Diploma que até hoje guardo comigo).
Lembro que, além da beleza da mulherada de Chapadinha, duas coisas  chamaram minha atenção na Princesa do Baixo Parnaíba. A primeira foi ausência de pessoas pretas na cidade. Apesar de ter sido território dos índios Anapurus no século XVIII, por lá, só vi brancos. Tanto que os três  colegas negros da nossa equipe constituíram-se as principais atrações por onde passávamos, principalmente para as garotas do lugar. Eles, literalmente, deitaram e rolaram. Mas ainda sobrou mulher! A segunda foi uma figura esquisita denominada Dentão,  que fazia favores na pousada em troca de um prato de comida. Dentão fazia jus ao apelido. Só tinha um grande dente na frente, do qual ele muito se orgulhava. Exibia-se destampando garrafas, descascando cana, roendo tudo com o seu único e destacado dente.  Dentão, apesar de retardado mental, sempre carente de banho, era pau para toda obra na pousada. Varria, lavava, carregava, engraxava, encerava, limpava e ainda ajudava na cozinha, descascando frutas e verduras. Sempre rindo ostentando seu dentão como se fosse um troféu.
O showmício foi um sucesso. Muita gente aplaudindo. Com destaque para os baiões de João do Vale e o discurso do candidato a governador, que só não prometeu lugar no céu porque ainda não havia milagreiros políticos para acompanhá-lo e garantir as posses.
O almoço oferecido pelas autoridades local à comitiva do candidato a governador, cerca de trinta pessoas entre homens e mulheres, foi na pousada onde estávamos. Um verdadeiro banquete.  Abundância e diversidade de comida e bebida, com destaque para um doce de goiaba à moda da casa, muito propalado pelo prefeito local. Dentão, que fora orientado a ficar do lado de fora da pousada, limitou-se a espiar por uma janela. Outros curiosos comprimiam-se em outras janelas. Acabado o mega  almoço, o candidato a governador levantou-se, elogiou a acolhida, agradeceu o almoço e, levantando a tigela de doce, já vazia, exaltou em voz alta a bendita sobremesa servida pela dona da pousada:
─ Dona Glória, essa sua goiabada é realmente uma maravilha! Um verdadeiro gol de placa!!
Os integrantes da comitiva, muitos ainda com as bocas cheias de doce,   concordavam com a exaltação do candidato, mostrando seus polegares em riste,  quando se ouviu a voz pastosa de Dentão, enfiando sua cara suja na janela:
─ O gol pode ter sido dela, mas o passe foi meu!...
─ Como assim? – quis saber a candidata a primeira dama, com cara de mau pressentimento.
Dentão, com expressão triunfal pela sua participação naquele grande feito, respondeu:
─ Ela fez o doce!... Mas fui eu que descasquei as goiabas! (e exibindo seu dentão degradante) com este aqui!... Uma grosa de goiaba!... Mas ele conseguiu...